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domingo, 23 de janeiro de 2011

Trecho retirado do livro “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres” de Clarisse Lispector.

E agora chegara o momento de decidir se continuaria ou não vendo Ulisses. Em
súbita revolta ela não quis aprender o que ele pacientemente parecia querer ensinar e ela
mesma aprender — revoltava-se sobretudo porque aquela não era para ela época de
"meditação" que de súbito parecia ridícula: estava vibrando em puro desejo como lhe
acontecia antes e depois da menstruação. Mas era como se ele quisesse que ela
aprendesse a andar com as próprias pernas e só então, preparada para a liberdade por
Ulisses, ela fosse dele — o que é que ele queria dela, além de tranqüilamente desejá-la?
No começo Lóri enganara-se e pensara que Ulisses queria lhe transmitir algumas coisas
das aulas de filosofia mas ele disse: "não é de filosofia que você está precisando, se fosse
seria fácil: você assistiria às minhas aulas como ouvinte e eu conversaria com você em
outros termos", pois que agora o terremoto serviria à sua histeria e agora que estava
libertada podia até adiar para o futuro a decisão de não ver Ulisses: só que hoje queria
vê-lo e, apesar de não tolerar o mudo desejo dele, sabia que na verdade era ela quem o
provocava para tentar quebrar a paciência com que ele esperava; com a mesada que o
pai mandava comprava vestidos caros sempre justos, era só isso que sabia fazer para
atraí-lo e estava na hora de se vestir: olhou-se ao espelho e só era bonita pelo fato de ser
uma mulher: seu corpo era fino e forte, um dos motivos imaginários que fazia com que
Ulisses a quisesse; escolheu um vestido de fazenda pesada, apesar do calor, quase sem
modelo, o modelo seria o seu próprio corpo mas enfeitar-se era um ritual que a tornava
grave: a fazenda já não era um mero tecido, transformava-se em matéria de coisa e era
esse estofo que com o seu corpo ela dava corpo — como podia um simples pano ganhar
tanto movimento? seus cabelos de manhã lavados e secos ao sol do pequeno terraço
estavam da seda castanha mais antiga — bonita? não, mulher: Lóri então pintou
cuidadosamente os lábios e os olhos, o que ela fazia, segundo uma colega, muito mal
feito, passou perfume na testa e no nascimento dos seios — a terra era perfumada com
cheiro de mil folhas e flores esmagadas: Lóri se perfumava e essa era uma das suas
imitações do mundo, ela que tanto procurava aprender a vida — com o perfume, de algum
modo intensificava o que quer que ela era e por isso não podia usar perfumes que a
contradiziam: perfumar-se era de uma sabedoria instintiva, vinda de milênios de mulheres
aparentemente passivas aprendendo, e, como toda arte, exigia que ela tivesse um
mínimo de conhecimento de si própria: usava um perfume levemente sufocante, gostoso
como húmus, como se a cabeça deitada, esmagasse húmus, cujo nome não dizia a
nenhuma de suas colegas-professoras: porque ele era seu, era ela, já que para Lóri
perfumar-se era um ato secreto e quase religioso — usaria brincos? hesitou, pois queria
orelhas apenas delicadas e simples, alguma coisa modestamente nua, hesitou mais:
riqueza ainda maior seria a de esconder com os cabelos as orelhas de corça e torná-las
secretas, mas não resistiu: descobriu-as, esticando os cabelos para trás das orelhas
incongruentes e pálidas: rainha egípcia? não, toda ornada como as mulheres bíblicas, e
havia também algo em seus olhos pintados que dizia com melancolia: decifra-me, meu
amor, ou serei obrigada a devorar, e agora pronta, vestida, o mais bonita quanto poderia
chegar a sê-lo, vinha novamente a dúvida de ir ou não ao encontro com Ulisses — pronta,
de braços pendentes, pensativa, iria ou não ao encontro? com Ulisses ela se comportava
como uma virgem que não era mais, embora tivesse certeza de que também isso ele
adivinhava, aquele sábio estranho que no entanto não parecia adivinhar que ela queria
amor.

2 comentários:

  1. Jairo, saiba que a aprtir de agora serei teu seguidor, pois gosto muito da a´rea filosófica. Acho d uma magnificência espaetacular a linha de pensamento filosófico.
    Portanto, ao ler os textos postados por ti, refaço meus conceitos, minhas analogias.

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  2. Clarice Lispecto parece que escreve ti, não!? Pois ela é magnânima mesmo! Falar ao ser humano como nunguém.

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